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A DANÇA DA INCLUSÃO

Rafael Bonfim compartilha um pouco de suas vivências e reflexões sobre ser deficiente físico e suas implicações para uma boa vivência na sociedade

Por: Gabriel de Souza Pereira, Kamily Ponfrecki, Maria Clara Pereira, Sthefany Kauani, Tamilly Cristiny Lisboa, Jose Junior da Silva, Felipe Teixeira Telles, Ana Carolina de Oliveira

Edição: Lívia Betim e Pietra Hara

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Retrato de Rafael Bonfim. Fonte: Acervo Pessoal

Rafael Bonfim nasceu em São José dos Campos (SP) com uma deformidade nas pernas, o que fez dele um cadeirante desde criança. Jornalista formado na PUCPR, foi articulador dos projetos e programas de diversidade e inclusão do Grupo Marista. Além disso, é responsável pelos programas de diversidade do EBANX e membro do núcleo de inclusão geral da OpusMúltipla, um dos maiores grupos de publicidade do Paraná, sugerindo ideias para a implementação da diversidade na publicidade. Durante toda a sua carreira manteve questões sobre portadores de deficiências em destaque, sendo assim um profissional com experiência em comunicação empresarial (público interno e externo), assessoria de imprensa e sustentabilidade.

Em entrevista ao 8⁰ C do Colégio Estadual João Gueno, Rafael  falou sobre qual é a importância da inclusão e contou um pouco mais sobre sua experiência sendo um cadeirante, mostrando como isso afetou sua vida, rotina e carreira. Para ele, "a sociedade só lida com a inclusão quando a gente fala, cobra e lembra que ela tem que acontecer."

Confira trechos dessa conversa a seguir.

O que é inclusão para você?

Rafael Bonfim: É uma boa pergunta. Tem uma frase que o pessoal comenta que eu acho muito bacana, que trabalhar a diversidade é convidar para a festa. Inclusão é convidar pra dançar, significa que não adianta você ter pessoas diferentes no mesmo ambiente, se elas não interagem não vale nada. Inclusão é quando uma pessoa com deficiência faz parte daquele espaço junto com as outras pessoas. Ela tem que fazer parte do rolê, tem que fazer bagunça junto, tem que zoar junto, tem que pedir cola junto, isso é inclusão.

Como a sociedade lida com a inclusão?

RB: Eu acho que a sociedade não lida com a inclusão direito. Sou uma pessoa com 40 anos, nasci com a minha deficiência, então quando eu tinha a idade de vocês eu já usava a cadeira de rodas há muito tempo. Hoje (21/09) é o dia nacional da luta da pessoa com deficiência, e ter esse dia no calendário é uma coisa muito louca porque todos os anos a gente tem que lembrar que a inclusão ainda é uma luta, ainda é um esforço, ainda não acontece normalmente. Na verdade, a sociedade só lida com a inclusão quando a gente fala, cobra e lembra que ela tem que acontecer. Se dependesse da naturalidade das coisas não ia rolar.

Você sofreu ou ainda sofre bullying por andar de cadeira de rodas?

RB: Quando eu era criança e adolescente o rolê acontecia de um jeito, agora que eu sou adulto o rolê acontece de outro jeito. (pausa)

Quando eu era criança eu tive a sorte de estudar num colégio muito legal, a política do colégio era respeitar as pessoas, uma coisa que os professores levavam muito a sério e os alunos também, então eu acabei crescendo nesse ambiente. Quando estava na sala eu sentava no fundão, fazia zona, passava cola… Não era um aluno estudioso, eu era da zoeira. O pessoal que vinha de outro colégio que vinha tirar sarro da minha cara, de maldade mesmo, mas o pessoal que estava em volta não achava graça, então quem ia fazer piadas da minha cara ficava com vergonha e não fazia mais. Não posso dizer que eu sofria bullying, o que acontecia comigo era que meus amigos mais próximos tiravam uma onda comigo porque eu participava da onda junto com eles.

"Não é porque  o lugar não tem acessibilidade que eu vou deixar de ir.
Se eu quiser ir eu vou."

Como você lida com a situação de ser cadeirante?

RB: Depende do que está acontecendo comigo. Por exemplo, se eu estou andando na rua ou se eu vou pra algum lugar que não tem acessibilidade e aquele lugar tem escada, que é difícil de entrar e de sair, as pessoas olham pra mim ou me oferecem ajuda- que eu aceito porque eu quero entrar ali-, ou as pessoas ficam bem desconfortáveis. Fica meio que um climão esquisito, a pessoa não sabe o que fazer, ela não sabe se ela vem falar comigo ou não. Então situações como essa eu tenho um jogo de cintura, eu peço ajuda quando eu preciso dela.Tem outras situações que são diferentes. Quando eu estou usando cadeira e  viajo, quando eu pego um avião, vou me hospedar em algum hotel ou estou em um ambiente novo, eu preciso descobrir como as coisas são. 

 

De maneira geral, tudo o que eu estou falando para vocês eu aprendi quando era criança, e ter convivido com uma sala de aula, que tava cheio de amigos e amigas, fez toda a diferença pra mim. Se vocês tiverem na sala de vocês ou no colégio de vocês e têm outros colegas que têm uma deficiência, qualquer uma que seja, cadeira de roda ou não, é muito importante vocês sempre lembrarem que o que vocês fazem com essas pessoas hoje elas vão carregar isso a vida inteira, então qualquer coisa que vocês puderem fazer para essas pessoas se sentirem parte da sala, e amigo de vocês, ela vai lembrar pra sempre. O que aconteceu comigo, esse jogo de cintura que eu to comentando com vocês, de que cada situação é de um jeito diferente, eu aprendi muito na escola também.

Você já deixou de ir para algum lugar por ser cadeirante? 

RB:  Depende, normalmente quando eu quero ir para algum lugar sei que eu posso ter obstáculos no caminho. Se eu estou muito a fim de ir, eu dou um jeito e vou, o pessoal ajuda quando eu chego lá, converso com as pessoas e vejo que dá pra melhorar. Não é porque  o lugar não tem acessibilidade que eu vou deixar de ir. Se eu quiser ir eu vou.

 

Inclusive quando eu fui para o Rio de Janeiro passar o réveillon lá [eu sempre vou sozinho] queria me hospedar em um albergue, que é um lugar barato e normalmente vai muito mochileiro pra lá, tem muita gente do mundo inteiro que se hospeda em um albergue e é legal. Então procurei no Rio um albergue que eu pudesse ir e sabendo que não teria 100% de acessibilidade neste lugar. Fui ligando para eles e perguntando se eles tinham quarto térreo, e comentava que eu usava cadeira de rodas. Eu liguei para oito albergues diferentes e todos eles falaram que não conseguiam me atender e eles só desligavam. Até que eu liguei pro nono e o cara virou pra mim e falou "Olha Rafa, eu vou ser honesto com você. A minha acessibilidade é uma droga, eu tenho escada pra chegar, meu banheiro não é adaptado, tem degraus, tem quarto na andar de cima, mas o albergue vai estar cheio de gente, eu deixo minha equipe avisada e você vem, se você precisar de ajuda você pede", e foi para lá que eu fui. 

 

Então olha que legal essa história, o cara me falou que estava errado em termos de acessibilidade. Ele falou que não estava preparado, mas ele se dispôs a me ajudar, ele deixou a decisão de me hospedar lá na minha mão, não ficou na mão dele. E eu fui pra lá, e foi sensacional, realmente a acessibilidade do lugar era uma porcaria, mas foi ótimo, porque as pessoas em volta me ajudaram a se sentir acolhido.

Quais são as maiores dificuldades que você enfrenta por ser cadeirante?

RB: Eu não consigo pensar numa dificuldade porque uso cadeira, eu acabei de comentar que cada lugar é de um jeito diferente, depende do que eu quero fazer, mas eu consigo falar pra você uma coisa que eu sinto falta. Eu sinto falta de não poder dançar, acho que seria legal se eu pudesse fazer isso de um outro jeito, a única coisa que eu não fiz até hoje do jeito que vocês fazem e que me faz falta, é dança, só, mas eu não consigo pensar numa dificuldade porque eu uso cadeira, eu moro sozinho, sou eu que pago minhas contas, eu tenho carro eu dirijo e a minha vida, eu levo a minha vida normalmente, eu sou adulto independente, então acho que como eu aprendi a lidar bem com a minha deficiência e contornar as coisas, eu não sinto falta de nada a não ser o que eu falei.

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Foto da entrevista coletiva feita pelos alunos do oitavo ano turma C do Colégio Estadual João Gueno. Fonte: Pietra Hara

Qual é o seu trabalho?

RB: Eu fiz muita coisa diferente na minha vida e nada do que eu planejei deu certo, tudo que eu fiz ou sonhei em fazer falhou, tudo deu ruim. Para você ter uma ideia, quando eu estava no colégio eu comecei a fazer teatro [fiz por vinte anos] e quando eu estava no colegial comecei a escrever uma peça de teatro e vim pra Curitiba pra fazer Artes Cênicas.

 

Eu sou jornalista e me formei em jornalismo, passei quatro anos na faculdade. Me formei em Jornalismo sem ter feito nada de Jornalismo, eu só fazia filmes. Depois, quando comecei a trabalhar em uma empresa, trabalhei um tempo na área de comunicação, porque eu era jornalista, coisa desse tipo em várias empresas diferentes. Aí teve uma hora que eu recebi um convite pra ir na área do RH, trabalhei durante oito anos na área de RH ajudando as empresas onde eu trabalhei a estruturar um programa de diversidade e inclusão e gostei dessa área. Já fui demitido, já fiquei desempregado, já fui personagem de história em quadrinho, meu dinheiro já acabou, já fiquei sem grana pra comprar comida, e hoje eu mudei de área de novo. Hoje eu não trabalho mais do jeito que eu trabalhava. Faço consultoria e dou aula, ajudo empresas a estruturar esses projetos e eu dou aula de gestão de diversidade numa escola chamada CONQUER aqui em Curitiba.

Onde você trabalha tem alguma adaptação?

RB: Eu já trabalhei em muitos lugares, desde quando eu comecei a trabalhar até hoje. E às vezes tinha, mas quando tem adaptação normalmente é porque é um prédio público, por conta da lei eles vão ter banheiro adaptado e etc. Hoje, por conta da pandemia, passei a trabalhar em home office, desde 2020 até agora, então eu trabalho de casa.

Teu carro é adaptado para você? Se sim, como funciona essa adaptação?

RB: Eu dirijo o meu carro com a mente. Eu penso no que ele precisa fazer e ele me obedece. (risos) 

Poderia ser, mas não é. É muito mais simples do que vocês podem imaginar, não é nada ultra tecnológico, é bem fácil de entender. 

Você tem o volante, certo? Dai em baixo do volante você aciona a seta [para esquerda e direita].Em baixo dessa seta, no meu carro, tem uma alavanca. Quando eu puxo ela aciona o acelerador e quando eu empurro ela aciona o freio. O meu carro é de cambio automático, então não preciso mudar a marcha. Então eu dirijo com a mão direita sempre no volante e com a mão esquerda sempre nessa alavanca. É assim, fácil né?

Como funciona a tua cadeira de rodas? No final do dia você sente muitas dores nos braços? 

RB: A minha cadeira de rodas é uma cadeira de rodas manual. Eu empurro ela com os braços e não, no final do dia eu não sinto dores. Eu não tenho dores de cansaço. Ainda não, pelo menos. (risos)

Para você, Curitiba é uma cidade que tem boas políticas públicas voltadas para uma maior acessibilidade ou ainda está distante do esperado?

RB: Eu não moro em Curitiba desde sempre, vivi no interior do estado de São Paulo e vim para cá faz mais ou menos uns 20 anos. E onde eu morava antes não tinha a estrutura de transporte público que Curitiba tem. A estação tubo, ônibus com elevador, nada. Era uma droga. Eu não conseguia me virar muito bem e dependia da minha mãe para me levar nos lugares. Depois que me mudei pra cá comecei a usar o ônibus sozinho e sempre deu certo. (pausa) 

 

O que eu falei que vale a pena vocês pensarem é se Colombo é um bom lugar para quem usa cadeira e depende do transporte público, por exemplo, ou é deficiente visual... Tem pista tátil nas calçadas? Tem aviso sonoro nos semáforos? Tem alguma coisa diferente para as outras pessoas ou não tem nada? 

 

Eu acho que, comparando com o Brasil, Curitiba tem uma estrutura legal de acessibilidade. Eu não uso ônibus faz muitos anos, mas quando usava sempre dava certo. Era sempre entupido, e toda vez que eu entrava no biarticulado tinha alguém no lugar da cadeira encostado, sentado, deitado ou dormindo, então tinha que pedir licença pra pessoa para estacionar a minha cadeira no lugar disponível. Mas dá para usar. Comparado com a realidade do Brasil todo, Curitiba tem um exemplo legal a ser seguido. Se é ideal ou não, não é ideal e dá para melhorar bastante, inclusive. Uma coisa que poderia mudar era a atitude das pessoas. A atitude das pessoas faz muita diferença. 

O que você espera para o futuro em relação à novas políticas públicas de acessibilidade? Você pode comentar sobre algumas delas por aqui?

RB: O Brasil tem muitas leis que protegem as pessoas com deficiência, se eu falar de cada uma delas a gente vai ficar a tarde inteira falando sobre isso. Mas já que eu estou falando em uma sala de aula, uma coisa que é importante vocês saberem é que desde meados dos anos 2000 tem uma legislação no Brasil que proíbe que colégios neguem a matrícula de alunos com deficiência. Isso não era assim na minha época. Quando eu era criança a minha mãe tentou me matricular no colégio onde ela estudou. A diretora não quis me aceitar porque eu usava cadeira. Ela achou que ia dar muito trabalho, que ia ser muito difícil e não topou. A minha mãe tentou me matricular em quatro colégios diferentes e eles não aceitaram a minha matrícula, até eu chegar no colégio que eu estava falando antes com vocês .

UM RECADO FINAL DO RAFAEL!

Enfim, foi muito legal conversar com vocês, adorei conhecer vocês, adorei as perguntas. (...) Eu acho que o principal do que eu quero comentar para todos que estão na sala: ter alguém com deficiência na sala de aula vai fazer vocês adultos melhores, lá no futuro. Hoje em dia eu lido com um monte de pessoas que, como eu comentei, duvidam de mim, não me dá espaço, não me dá trabalho, fecha as portas pra mim. Eu convivo com um monte de gente assim. E essas pessoas provavelmente não tiveram a oportunidade que vocês têm hoje. Então, para vocês, conviver com eles vai ser muito legal. E para eles, conviver com vocês vai ser muito legal também. As amizades que vocês formarem agora, têm chance de serem as amizades que você vai carregar para o futuro. Sem dúvida nenhuma. Para todo mundo. O meu amigo hoje, é o melhor amigo que eu fiz quando tinha a idade de vocês. Ele é meu amigo até hoje. Beleza? Muito bom falar com vocês, pessoal.

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