Minha Dupla Da Escola
Por Ana Luiza de Souza Silva
Tenho uma época muito boa da minha vida, daquele tipo que vem à mente quando se está dentro do carro voltando da praia, uma gaveta com momentos que de alguma forma guardei sem saber que um dia iriam ter tanto valor. Me arrependo de algumas coisas, se bem que me arrependeria de qualquer forma, tenho um hábito irritante de não aceitar o passado. Poderia ter feito mais e deveria ter sido um pouco mais sábia, mas depois que já aconteceu não adianta lamentar...Espero fazer mais por você agora.
Tudo isso aconteceu no ano de 2019, eu estava no oitavo ano do fundamental e eu não estive nas primeiras semanas por conta de uma viagem. Éramos na mesma turma do ano anterior, com alguns repetentes claro, lembro-me de ter a sensação de que já sabia como as coisas terminariam naquele ano, idiotice minha, afinal, a gente nunca sabe.
Te conheci em março, numa aula de educação, todos estavam jogando e como eu nunca fui uma pessoa “atlética” ficava sentada na grama da quadra. Então você se sentou do meu lado por também não ter jeito com esportes, pelo menos eu não era a única múmia. Estava um clima estranho de “desconhecidos”, por incrível que pareça você foi o primeiro a falar, se bem que com a minha tagarelice a única coisa que você precisou fazer foi começar. Não lembro da conversa e nem o assunto que falamos, mas me lembro do céu cinza, um cinza quente e calmo, aquele não era um dia triste.
Não faço ideia de como aconteceu e também não me lembro do processo, mas em questão de um mês já estávamos próximos. Deve ter sido seu humor negro e seu jeito de pensar, sem dúvidas essas são suas características mais fortes. As nossas primeiras conversas foram incrivelmente próximas, seu jeito sempre me fez me sentir à vontade. Me recordo de uma vez em que conversamos tanto que o sinal já tinha batido e estávamos se molhando na chuva sem ao menos notar, é, somos bons de papo.
Com o tempo começamos a sentar juntos nas aulas e você me acompanhava até em casa, isso provavelmente aconteceu porque era como se a conversa nunca tivesse um “fim”. Quando estávamos juntos parecíamos dois loucos, o jeito que você via o mundo se encaixava com o meu, começávamos nossas teorias malucas e nossos argumentos sobre tudo e isso me mudou bastante. Era sempre divertido porque você sempre tinha uma opinião, e isso era incrível. Teve uma vez, na aula de geografia, que até criamos juntos um sistema social doido da nossa cabeça baseado em anarquismo e todas aquelas coisas que você gosta, hoje eu sei que aquele sistema tinha muitas falhas, mas naquele dia me senti um Karl Marx reverso haha.
Eu pensava nas nossas conversas e ia para a escola ansiosa para falar minha idéia, te esperava na frente da sala e ficava aflita nas muitas vezes que você chegou atrasado. Tinha dias em que éramos filosóficos, e tinha muitos dias em que éramos completamente retardados. O abacaxi… Até hoje você não suporta abacaxis.
Você me apresentou amigos, me trouxe ânimo e me mostrou muitas coisas. Porém, mesmo com tudo isso, eu insistia em estar triste. Por mais que agitados e animados que estávamos, eu e você éramos cinzas, mas não cinzas calmos como o céu daquele dia, e sim cinzas vazios. No fundo éramos dois idiotas, duas escórias sem propósito, acho que foi isso que nos fez tão próximos.
Eu desesperada me prendi a muitas coisas para continuar, e você… Bem, eu não sabia porque ainda estava lá. Me arrependo de minhas escolhas, se prender a qualquer coisa nunca foi a melhor opção, mas eu achava que estava ferindo apenas à mim. Mesmo se fosse só a mim, ainda sim, foram atitudes bem tolas. Entretanto, acho que a vida é assim, você faz bobeira atrás de bobeira até algo faz você ver as falhas e mudar, sem ter compaixão ou piedade de si mesmo, apenas a noção de que há coisas que não podemos mudar.
Naquele mesmo ano você foi mudado de sala por conta do nosso humor péssimo e de fatores que até hoje são um mistério que nunca nos revelaram, eu tive algumas consequências das minhas falhas e o ano se encerrou com um gosto amargo de remorso. Se vimos na escola no ano posterior, você era o mesmo de sempre mas estava acabado, enquanto eu cansada da minha aparência deprimida e me vesti com uma capa de “garota alegria”. E então veio a terrível pandemia, às vezes gosto de acreditar que isso é um esquema da China para matar velhinhos e que logo vai passar, mas parece que o ano vai terminar e eu ainda não estive com você de novo na sala de aula discutindo se liberalismo é mesmo uma boa política.
Sentirei falta de te ver todo dia na escola, vou me lembrar sempre do dia que ficamos deitados nos bancos da cantina, de todas as vezes em que fiquei vendo você debatendo entusiasmado com o professor de história, de quando ficávamos conversando com nosso grupinho depois da aula, e principalmente, de ser cercada com seu amor o tempo todo. Eu queria ter reparado esse amor naquela época, mas parece que já se encerrou o tempo em que eu e você éramos a melhor dupla da escola.